(...) a memória é uma ferida.
Leite Derramado, de Chico Buarque, foi publicado pela Companhia das Letras em 2009. Ao se debruçar sobre suas memórias, um homem à beira da morte nos faz refletir sobre a importância das nossas escolhas, e na inutilidade de sofrer pelo que ficou para trás.
Eulálio d'Assumpção nasceu em 1907 no berço de uma tradicional família brasileira. Agora um centenário à beira da morte, preso a um leito de hospital, visita suas memórias, narrando suas aventuras, alegrias e agruras ao longo de sua vida. Ao mesmo tempo em que mergulha em sua história, Eulálio traça um paralelo de sua linhagem desde os ancestrais portugueses ao tataraneto, um típico garoto vida fácil do Rio de Janeiro.
A narrativa se constrói e desconstrói a cada capítulo, assim como a memória do personagem que já não consegue mais discernir entre verdades e fantasias. Histórias são contadas e recontadas, a ponto do leitor duvidar se o que lê é de fato real ou imaginário.
O passado importante da família Assumpção aparentemente perdeu o prestígio e o poder ao longo das gerações. Eulálio nem mesmo conseguiu perpetuar seu nome, uma tradição herdada pelo primeiro filho homem. Sua única filha, Maria Eulália, de longe lembra o glamour de outrora.
Um dos destaques da narrativa é o amor avassalador que Eulálio teve pela mulata Matilde. Foi por ela que lutou contra todos os preconceitos da família. As lembranças da mulher e sua ausência são partes recorrentes de sua memória. O possível abandono e a traição são feridas que não cicatrizaram. A dor é mascarada com versões que simplesmente não conseguem preencher o vazio deixado por essa paixão.
Narrado em 1ª pessoa, com 200 páginas, folhas amareladas, fonte e espaçamento confortáveis, Leite Derramado é uma leitura intensa que nos faz refletir sobre a brevidade da vida. Não acho que seja uma leitura para qualquer um, pois seu texto aparentemente simples, deixa nas entrelinhas questões relevantes que valem à pena refletir. A forma da narrativa que não segue uma ordem cronológica, e que muitas vezes coloca o narrador em posição duvidosa em suas palavras pode incomodar quem não gosta desse tipo de livro.
Aproveitem a leitura!
Sobre o Autor
Chico Buarque, nome artístico de Francisco Buarque de Hollanda (Rio de Janeiro, 19 de junho de 1944), é um músico, dramaturgo e escritor brasileiro. Filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda, iniciou sua carreira na década de 1960, destacando-se em 1966, quando venceu, com a canção A Banda, o Festival de Música Popular Brasileira. Em 1969, com a crescente repressão da Ditadura Militar no Brasil, se auto-exilou na Itália, tornando-se, ao retornar, um dos artistas mais ativos na crítica política e na luta pela democratização do Brasil. Na carreira literária, foi ganhador de dois Prêmios Jabuti, pelo livro Budapeste, lançado em 2004 e por Leite Derramado, de 2009. iiiiiii
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