Resenha: Nada do que foi será - Fabiano Bartolomeu (Kiron)

Tudo isso me fere, as coisas que escrevo são como segredos.

Nada do que foi será - O relato de um filósofo, do autor Fabiano Bartolomeu, foi publicado em 2019 pela Editora Kiron.  Os questionamentos e divagações de um homem que enfrentou um tortuoso caminho em companhia das drogas.

 Livro, livro, cigarros, bebida, solidão.

Todos nós já paramos em algum momento para refletir sobre a vida.  Tentar encontrar respostas para inúmeras questões que nos assolam é, talvez, um combustível necessário para descobrir novos caminhos e, quem sabe até, mudar o rumo de nossa trajetória.   Um grande admirador da filosofia, o autor expõe suas conjecturas tentando mensurar a dimensão de seus próprios questionamentos.

 Nunca me perguntei o que sou (...) 

Seus escritos se apresentam como um diário, mas muitas vezes se transformam em confissões diretas ao leitor.  Os textos carregam a essência das crônicas, porém a poesia se faz constante.   A escrita é intensa, mas por diversas vezes parece recortada e suprimida, como se fosse um pensamento interrompido.   Os assuntos mudam rapidamente, e às vezes se tornam sem nexo e um pouco cansativo para o leitor.  Imagino que o contexto do livro justifica isso, afinal Fabiano Bartolomeu expõe sem censura o redemoinho de sensações que viveu.

 Tudo o que escrevo fica guardado num instante (...)

Em 2014 o autor deu uma pausa em seus escritos devido a problemas com drogas, que culminou em sua internação em uma clínica.  Depois dessa pausa necessária, Fabiano retomou o trabalho em 2018.  Ao ler os textos antigos teve a sensação de se deparar com os relatos de alguém desconhecido, já não era a mesma pessoa de antes. Muitas mudanças haviam ocorridos tanto externa quanto internamente.  São as confissões desse novo homem que o leitor encontrará na segunda parte da obra.

 Sonhos são fáceis de destruir.

A cocaína entrou em sua vida aos dezesseis anos.  Se tornou rebelde, conheceu muitas drogas.  Ecstasy, maconha, álcool, cigarros e remédios fizeram parte de seus devaneios levando-o aos consultórios psiquiátricos.   Conheceu a depressão e a solidão.  Se deparou com demônios, teve visões e sentiu medo.  Teve insônia, mal-estar, ficou completamente dopado, mas sobreviveu em meio às dores.  Esse é o retrato de um filósofo que queria entender o mundo.

 (...) somos o que acreditamos.

Entre os assuntos recorrentes em suas divagações estão as teorias sobre religião e o papel do homem na sociedade, e também os assuntos que abrangem relações familiares, amigos, sonhos, casamento, separação e filhos.  A busca por respostas a inúmeras perguntas faz com que o autor retome as mesmas questões inúmeras vezes.

 E não pude enxergar.  Dizem que se você quiser ser feliz você tem que saber deixar de lado muitas coisas, e continuar sem se importar.

Muitas vezes o autor se sente impossibilitado de descrever em palavras as sensações vividas, como se o leitor estivesse longe de seu universo e não pudesse entendê-lo.  Talvez exista o receio de ser interpretado de uma forma errônea e distorcida.  A verdade é que o julgamento se torna inevitável quando a gente expõe coisas tão particulares.   Algumas falas e opiniões podem soar preconceituosas, principalmente quando direcionada às mulheres e aos gays.  É primordial entender o contexto da narrativa, afinal não estamos lidando com um herói e sim com um ser humano que ousou enfrentar seus próprios fantasmas.

Escrevo este livro para mim mesmo.  Antes, era a razão contorcida e o meu eu profeta.  Depois vieram os sonhos, depois, depois, depois... 

Além de sua relação com o exterior, mostrando que nem tudo era confortável, Fabiano Bartolomeu utiliza as mudanças na sociedade ao longo do tempo para refletir como certas coisas nos devoram e nos tornam escravos.  Alguns acontecimentos marcantes no cenário mundial são utilizados para nos situar no tempo.

(...) a loucura dos outros acabou me enlouquecendo (...)

Além dos grandes filósofos da história, o autor cita muitos trechos de músicas mesclados em sua narrativa. Muitas outras referências ao universo musical, literário, televisivo e cinematográfico também podem ser encontrados ao longo do livro.  Alguns exemplos são Roberto Carlos, João Gilberto, Nirvana, Guns N'Roses, Kurt Cobain, Mick Jagger, Jim Morrison, Guimarães Rosa, Nelson Rodrigues,  Os Gonnies, Peter Pam e até mesmo o Chaves.   A obra é dedicada ao imortal Raul Seixas e também a todos que entendiam suas mensagens.

Quem era esse?  Quem?  As perguntas que me faço, não as faço a ninguém!

O livro tem 400 páginas, folhas amareladas, letras que se alteram em formato e tamanho (às vezes fonte padrão, pequenas em itálico, ou maiúsculas), mostrando as nuances do texto.  A obra é repleta de ilustrações feitas pelo João Rafael Lima, que enriquecem a obra.  Acredito que não seja um livro para todo tipo de leitor, é uma leitura repleta de divações, sem contar que relata um universo muito particular.  O texto é ágil, e muda drasticamente de assunto a todo momento.  Às vezes se torna um pouco repetitivo também.   Se você curte esse estilo literário, não deixe de conferir.

Após eras de fome, que antes eram satisfação e aventuras sempre novas, sempre nobres.  Sempre algo novo, depois de um dia como todos - os dias nos dominaram - eu senti desejo, febre, fome, e muita fome, e tristeza por causa do desejo e da fome, e da esperada vida nova que não chegava...  Não chegava porque já tinha chegado nos meus dezessete anos.  Então veio, algo novo.  Chegou, já fazendo parte de mim:  A droga.

Boa leitura!

 

Nada do foi será - O relato de um filósofo

Autor:  Fabiano Bartolomeu
Editora Kiron
Páginas:  400
ISBN :  978-85-8113-820-6

Onde Comprar:

Sobre o Autor:

https://fabianobartolomeu.com.br/

Fabiano Bartolomeu (pseudônimo de R.H.M.) é escritor, nascido e residente em Curitiba, pai de dois filhos, estudante eterno de filosofia, e auto didata em psicologia. Na sua estante de livros um milheiro de livros clássicos, poesias dos grandes mestres, psicologia, Freud, Yung, e outros, e de filosofia, sua grande paixão: Materiais de teoria do conhecimento, História do pensamento ocidental, Maquiavel, Schopenhauer, Nietzsche, Foucault estes últimos, estes últimos aos quais o autor dedicou muito estudo. Em romances deixa eternizados seus dias de vida e relatos pessoais, e na poesia encontrou sua grande epopeia. “Acredito que neste mundo liquido que estamos vivendo, onde tudo é consumido com rapidez e ansiedade, a poesia volta a ser cobiçada por cada vez mais pessoas, e eu sou uma delas.” Fabiano Bartolomeu acredita na força da paixão pelo que faz, expressando seus pensamentos e sentimentos em forma de literatura. Em seus relatos e escritas o escritor apresenta com transparência suas dificuldades e superação. Apresenta os seus sentimentos pelo mundo, sua visão, crenças e descrenças, paixões e experiências de um dependente químico. Lança seus livros em nome de Fabiano Bartolomeu não por vergonha, mas sim pra não dar “a cara a tapa”. “A dependência química é um tabu, ainda há preconceito, e desejo poupar as pessoas que me acompanham na jornada da vida.”, diz.

* Livro gentilmente recebido da Editora Kiron.