Existem coisas em que precisamos acreditar sem ver.
Pepino de Alumínio, do coreano Kang Byoung Yoong, foi traduzido pela Woo Young-Sun e publicado no Brasil pela Topbooks em 2018. Em um enredo que fala de partidas e chegadas, o autor nos conduz com delicadeza e emoção pelas canções de um homem que morreu jovem demais.
Então, é isso mesmo. As memórias ruins não são poeiras. Por isso não
foi fácil me livrar delas. Os pensamentos que desejo apagar não foram
escritos à lápis. Por isso não foi fácil apagá-los.
Não tenho o hábito de ler sinopses ou orelhas de livros antes de iniciar a leitura. Assim, ao começar a leitura de Pepino de Alumínio não tinha nenhuma referência sobre o tema central. Gosto de ser surpreendido, e, às vezes, como nesse caso, ser completamente absorvido pelo enredo. Tive o prazer de conhecer o autor durante um encontro organizado pela Oasys Cultural na XIX Bienal Internacional do Livro no Rio de Janeiro (2019). Simpático, inteligente, falante, engraçado e um ótimo contador de histórias. Talvez seja aquele amigo que todos gostariam de ter.
Logo no início do enredo conhecemos Vitório, um garoto coreano, que um dia plantou um Pepino de Alumínio. Será que que realmente poderia nascer, crescer e dar frutos? Talvez sim, ou poderia simplesmente ter sido em vão; afinal os desejos nem sempre se realizam! Vitório era um garoto especial. Por ser considerado um nerd, sofria bullying na escola e tentava passar os dias sem ser notado, ao lado de seu único amigo Jeon.
Muitas coisas no mundo aconteceram sem razão. Aconteceram de alguma
maneira. Apenas aconteceram. Apenas assim! Quantas coisas aconteceram
desse jeito? (...) Por isso talvez a razão não seja importante. Há
inúmeras razões. Procurar saber a razão seria inútil.
Quando o autor nos apresenta Viktor Tsoi, vocalista e líder de uma famosa banda de rock da Rússia, que tinha entre seus muitos sucessos uma canção chamada Pepino de Alumínio, corri para o Google para pesquisar (teria sido mais simples ler a orelha do livro). Sim, ele era real. Viktor Tsoi (1962-1990), pertenceu à terceira geração da etnia Koryo na União Soviética. Ele foi o líder e vocalista da banda KINO, que teve enorme influência em seu país na década de 1980. Viktor Tsoi morreu aos 28 anos em um acidente de automóvel ao bater de frente com um ônibus.
A música surgiu para mim. Sem que eu tivesse planejado,
chegou como se um desconhecido aparecesse e pedisse amizade. Eu nunca
soube se foi um bom amigo ou um amigo ruim. Apenas soube que foi um
amigo.
Mas o que poderia ligar dois personagens, aparentemente, tão distintos? Vitório nasceu na Coreia do Sul na mesma data (15 de Agosto de 1990) e no mesmo horário em que Viktor Tsoi sofria o acidente que tirou sua vida. Mas a conexão entre eles parecia bem maior e ganhou ainda mais intensidade quando Vitório ouviu pela primeira vez uma música do astro do rock. Assim, como o menino nerd, que sofria bullying na escola, o leitor mergulha no universo das músicas que se imortalizaram com o desfecho prematura e trágico da vida do cantor.
Outros personagens se destacam na trama. O único amigo Jeon gostava de fazer cegonhas de origami de papel dourado. Ele era igualmente agredido na escola pelos tão temidos garotos, nomeados de espíritos de porco. Talvez seja ele responsável por uma das cenas mais lindas do livro, que embora siga uma linha leve e bem humorada, também nos emociona com passagens fortes ao lidar com temas delicados e complexos.
Ele parecia livre mas não o era de fato. Pelo menos, ele se sentia dessa forma. Eu não estou livre.
Ele
parecia gozar da liberdade do mundo, porém se deparava, frequentemente,
consigo mesmo, que nada fazia. Parecia viver um mundo de grande
liberdade, mas tinha o sentimento de ser prisioneiro.
Olga tem muito a acrescentar nessa trama. Depois da morte de Viktor Tsoi, ela começou a compreender todo o universo que o ídolo teria deixado. Ela custava a acreditar que o jovem astro realmente houvesse partido. Vitória se apresenta como a chave que liga todos os personagens. É o elo que faz o destino se cumprir em um final emocionante e grandioso. Ainda temos os pais de Vitório, responsáveis pela vida do garoto que conquista o leitor logo nas primeiras páginas.
Os capítulos são organizados como a estrutura de uma fita cassete, com 12 capítulos no Lado A e 12 capítulos no Lado B; contando ainda com faixas ocultas narradas pelo pai de Vitório. Cada capítulo é nomeado com o título de uma das músicas de Viktor Tsoi, cujas letras estão no final, tanto em Português como no idioma original Russo. Há ainda uma entrevista com o autor Kang Byoung Yoong, onde conhecemos detalhes sobre a obra. E para encerrar, há uma cronologia da vida do cantor.
Não havia liberdade verdadeira numa vida entre paredes de vidro.
Além da banda KINO, o livro traz outras referências musicais, como por exemplo, a canção Orchid, do Black Sabbath, e canções da banda coreana Brown Eyes. A Copa do Mundo, realizada no Japão e Coreia em 2002, também é referência importante no enredo.
Depois de procurar na internet as canções citadas no livro, acabei ouvindo toda a discografia da banda. As letras das músicas são cheias de poesias, e repletas de simbolismos e metáforas. Realmente essas músicas acabaram me conquistando, e se tornaram especiais ao compor a trilha sonora desse livro que se tornou inesquecível. No final do post deixo para que ouçam o clip da música Gruppa Krovi (Tipo Sanguíneo), outro destaque na trama. Em 2010 aconteceu um concerto que lembrou os 20 anos sem o ídolo. Em 2018 foi lançado um filme baseado na biografia de Viktor Tsoi, Verão, dirigido por Kirill Serebrennikov.
Eu já sabia. Vitório era especial quando cantava músicas de Viktor Tsoi. Na verdade, ele era especial a cada momento.
Em 270 páginas, o autor surpreendeu ao homenagear o astro de rock russo, Viktor Tsoi. Poderia ter feito uma biografia ou explorado as inúmeras teorias de conspiração que envolvem sua morte; mas optou por misturar ficção e realidade em um livro maravilhoso e surpreendente. Um enredo delicado e sensível, repleto de simbolismos. Com certeza, sou hoje mais um dos fãs desse cara que conseguiu nos poucos anos que viveu deixar sua marca nas canções ainda ouvidas por milhares de pessoas por todo o mundo. Sim, Viktor Tsoi conseguiu romper fronteiras e se tornar imortal! O livro é mais que indicado, com certeza um dos que mais me envolveu nos últimos tempos. Boa leitura!
Confira a tradução de uma das canções de Viktor Tsoi.
Quero estar com você
Houve dias em que não vimos o sol,
Nossas pernas perderam a força nessa caminhada,
Queria entrar em casa mas não havia portas,
Minhas mãos buscavam colunas e não consegui.
Queria entrar em casa...
Tantas vezes troquei palhetas de violão,
Eu vi muitos lagos e nunca vi o mar,
Acrobatas no alto do telhado não escutam o clamor,
Você está atrás do muro, e eu não vejo as portas.
Eu quero estar com você...
Eu nasci no fim das constelações mas não posso viver,
O vento sopra dia e noite a 20 metros por segundo,
Eu lia muitos livros e agora os estou queimando,
Eu queria ir mais longe, mas meus pés já estão encharcados.
Eu quero estar com você...
Tradução: Woo Young-Sun
Topbooks Editora
Páginas: 270
Encadernação: Brochura
Formato: 15 x 23
Edição: 1ª (2018)
ISBN: 9788574752815
Tipo Sanguíneo (Gruppa Krovi) - Banda Kinno (Viktor Tsoi)
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Sobre o Autor:
Kang Byoung Yoong (Кан Бён Юн) nasceu em 1975 em Seul. Professor de literatura coreana na Faculdade de Estudos Asiáticos, Universidade de Liubliana, Eslovênia, publicou, entre outros títulos, os romances História de um homem imaginário, Documentário vulgar sobre a castração do Sr. Y e Beijo e banana, além de ensaios como Estudo sobre o pronome ‘Nós’ em Evgeny Jamatyn e a coletânea de contos Mujinjang. Em 2014, foi escolhido pela Comissão de Cultura e Arte da Coreia do Sul para participar de um programa de residência no exterior, o que lhe deu a oportunidade de morar e trabalhar sua escrita na Inglaterra e na Rússia. Kang é um escritor raro na literatura coreana, que procura contar histórias de uma maneira inovadora e incomum, utilizando imitação e paródia, e experimenta novos estilos. Pepino de alumínio foi traduzido para o russo, o inglês e o português.
* Livro recebido gentilmente da Oasys Cultural, durante o encontro com autores coreanos na Bienal do Livro no Rio de Janeiro (2019)
O título em si já aguça curiosidade, pepino de alumínio tem uma mistura de humor e assuntos complexos , não costumo fazer leituras de autores koreanos mais já me rendi a esse título.
ResponderExcluirPepino de Alumínio, na letra do astro de rock Viktor Tsoi tem um significado que remete aos mísseis, porém no livro o autor procurou um novo significado. Vou deixar a curiosidade para não atrapalhar a leitura.
ExcluirOlá Evandro
ResponderExcluirAmei a resenha e parabéns pelo autor ter gostado da resenha e ter te parabenizado. Eu lia essa resenha e lembrei q na Coreia ele acreditam em reencarnação e para eles a pessoa morre e longo encarna em outra pessoa será q foi isso q ocorreu com o Victor para o menino aparecer tanto com ele.. vou anotar o nome desse livro quero comprar para mim ler ... Bjs e sucesso
Que interessante essa curiosidade a respeito de como eles encaram a morte e reencarnação. Obrigado, vou pesquisar mais sobre isso.
ExcluirO autor trouxe um enredo bastante emocionante, que faz o leitor se emocionar, o livro tem uma história bastante positiva, uma delas homenagear o astro do rock, gostei bastante da resenha o livro é maravilhoso abraços.
ResponderExcluirQue bom que gostou, Lucimar.
ExcluirBoa resenha, sucesso para o blog.Abraçosss
ResponderExcluirObrigado, Cris. Que bom que gostou.
ExcluirOi amigo,comecei a ler sua resenha,atiçada pelo tema.Se sentir isolado na escola,não fazer parte da "turma" foi algo que vivi na pele,claro no meu tempo,o assunto não tinha a menor relevância,era normal.Bom,por isso,achei muito interessante o livro,pela maneira como o Vitório decidiu enfrentar tudo.Um livro, na minha opinião, deve nos fazer refletir.Amei a dica.
ResponderExcluiro tema bullying é realmente algo que tem que discutir. Com as redes sociais ficou ainda mais pesado do que já era.
ExcluirFiquei curioso ao ler o nome do livro e foi exatamente por isso que decidi ler a resenha.Que modéstia a parte cheia de detalhes, coincidências até parece que rola um pouco de misticismo..
ResponderExcluirUma coisa eu posso dizer que a música tem uma batida muito boa apesar da letra nao ter tanto sentido..Assim do estilo rock misturado com temas e realidadez russa..
Enfim preciso conferir o livro...
Oi, Robson. O título é mesmo curioso, e eu também me perguntava a que exatamente se referia antes de ler. É um ótimo livro, se tiver a oportunidade, não deixe de conferir.
ExcluirConfesso que não imaginava que por trás de um título como esse (achei estranho antes de ler a resenha), tem um enredo tão rico e uma bela homenagem ao astro de rock russo que morreu muito jovem. O fato de cada capítulo ter o nome de uma música é interessante. PS: estou ouvindo a música "Tipo Sanguíneo" enquanto escrevo.
ResponderExcluirA tradução dessa canção que você postou é linda, Evandro!
Oi, Cidália. No livro tem tradução das 24 músicas que dão nome aos títulos. Gostei demais das letras.
ExcluirOiii Evandro! Só pela forma em que os capítulos são organizados eu já fiquei curiosa pra ler. Achei criativo! E o enrredo também me parece e interessante. Ótima dica de leitura e excelente post. Abraço!
ResponderExcluirObrigado, Julli, pela visita. Que legal que curtiu.
ExcluirRealmente não tem como não dizer que é interessante o enredo do livro, acredito que não compraria o livro pelo título, mas com certeza após a resenha meu pensamento mudou, que aliás foi muito bem escrita e elucidativa!
ResponderExcluirObrigado, Minda. O título é bem diferente, e foi uma surpresa o livro desde as primeiras linhas. É o tipo de livro que não consigo parar a cada nova página. E no fim, fico querendo muito mais, por não querer me desapegar dos personagens.
ExcluirConfesso que não conhecia o cantor Viktor Tsoi e depois de ler essa resenha fiquei motivada a saber mais sobre sua vida, que apesar de curta deixou um grande legado. Muito interessante essa mistura de ficção com realidade, a estrutura do livro com a divisão entre Lado A e Lado B também deixou tudo mais atraente. Gostei muito dessa indicação de leitura, ótima dica!
ResponderExcluirPois é, Patrícia. Eu também não conhecia seu trabalho e sua história. Ele é um ícone do rock na Rússia e conhecido em muitos outros países. Chegou a fazer até filmes.
Excluiroi!
ResponderExcluirEu adorei a sugestão :) não conhecia o trabalho do autor, a historia é bem interessante...
Que bom que gostou, Joana.
ExcluirO Japão sempre elogiou o autor coreano Kang Byoung Yoong por vários livros maravilhosos. Estive lendo alguns comentários dizendo que ele faleceu?Eu realmente não sabia,parecia ter vindo aqui no Japão em 2018 com o lançamento de seu novo livro, fiquei sem entender...
ResponderExcluirOi, Lenny. O autor continua vivinho da silva. Aliás, tive o prazer de conhecê-lo na última Bienal do livro no Rio de Janeiro. É fake news.
ExcluirAdorei a resenha que vc fez do livro.
ResponderExcluirJa gostei de cara do personagem "Vocalista e lider de uma banda de rock...".
https://www.ladomilla.com/
Que bom que gostou, Camyli.
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