Por Shirley M. Cavalcante (SMC)
Rosângela Vieira Rocha é mineira de Inhapim e mudou-se para Brasília em
1968. Jornalista, escritora e professora aposentada do Departamento de
Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UnB, advogada e Mestre em
Comunicação Social pela ECA/USP.
Atualmente, ministra oficinas de texto, oficinas literárias e palestras.
“É um tema do maior interesse para jovens e
pessoas maduras que tentam encontrar parceiros amorosos através da
internet. Fiz um estudo muito aprofundando do perfil dessas pessoas
tóxicas, de como agem, como é o comportamento padrão
delas. Não se trata de um livro didático, é uma história de ficção, mas
com base em pesquisas reais.”
Escritora Rosângela Vieira Rocha, é um
prazer contarmos com a sua participação na revista Divulga Escritor.
Conte-nos, o que a motivou a ter gosto pela arte de escrever?
Rosangela Rocha - Nasci
numa cidadezinha do interior de Minas, Inhapim, onde não havia
livrarias e, na época, nem sequer bibliotecas. Eu fazia parte de uma
turma de meninas e moças que adoravam ler. Era
difícil o acesso aos livros e por isso líamos de tudo. Quando alguém da
cidade ia à capital ou a alguma cidade maior, geralmente para
tratamento de saúde, encomendávamos um livro. Um único exemplar, pois
tínhamos poucos recursos. Era lido por vinte, trinta
meninas. Eu era a mais nova do grupo, e geralmente lia depois de todas.
Ia quase todos os dias à casa de quem estava lendo, para saber se já
havia terminado. Uma ansiedade só. Por acaso, chegou-me às mãos um livro
que adorei, que li com grande prazer e autêntico
deslumbramento. Qual não foi minha tristeza quando vi que faltavam as
trinta últimas páginas do romance. Comecei a chorar, queria saber o
final – eu tinha nove anos, na época. Fiquei traumatizada, muito doída
mesmo. Tratava-se de Orgulho e preconceito, de
Jane Austen. Nunca poderia imaginar, na época, que a escritora inglesa
era uma das maiores escritoras de todos os tempos. Quando vim para
Brasília estudar, aos catorze anos, comprei cinco exemplares. Releio
Orgulho e preconceito pelo menos uma vez por ano.
É o livro da minha vida. Do gosto de ler passei rapidamente ao gosto
pela escrita. Minhas composições – na época não dizíamos redações –
começaram a ser elogiadas por professores e fui tomando gosto pela
escrita. Muitas moças da cidade pediam que eu escrevesse
cartas terminando e reatando namoros. Meu pai achava muita graça, ele
tinha um senso de humor esplêndido e me estimulava.
Em que momento se sentiu preparada para publicar o seu primeiro livro impresso?
Rosangela Rocha - No
meu entendimento, não existe propriamente um momento em que a pessoa se
sinta preparada para publicar. Creio que o acaso tem um papel
preponderante nesse fato. No meu caso, por exemplo,
comecei pelo romance – só mais tarde publiquei um livro de contos,
apenas um, até hoje. Os originais desse romance, ou dessa novela, foram
rejeitados por várias editoras. Nos anos oitenta, não existia essa
facilidade para publicar, dependíamos sempre das respostas
das grandes editoras, que nunca chegavam ou quando chegavam, meses
depois, diziam quase que invariavelmente que o livro era bom, mas não se
enquadrava na linha editorial. Ou seja: a negativa de praxe. Os
candidatos a escritores iam colecionando essas frustrações
e tudo era muito difícil. Resolvi escrever um segundo romance, Véspera
de lua, com o qual dei mais sorte, pois recebeu o Prêmio Nacional de
Literatura Editora UFMG 1988 – um prêmio importante na época – e foi
publicado em 1990. É uma história de vanguarda,
que trata de menstruação e homossexualismo feminino, quando nem existia
a sigla TPM. Um livro sobre temas tabus. Rio das pedras, o primeiro, só
foi publicado vinte anos depois de escrito, em 2002, quando obteve a
Bolsa Brasília de Produção Literária na categoria
na novela, um concurso promovido pela Secretaria de Cultura do Governo
do DF.
Você tem um vasto e significativo acervo literário. Como se organiza para escrever em diferentes segmentos?
Rosangela Rocha - Como
mencionado antes, fiquei doze anos sem publicar, por causa das
dificuldades editoriais e por necessidades do cotidiano. Mudei de
cidade, dava aulas em duas faculdades diferentes e
resolvi fazer a graduação em Direito (minha primeira graduação foi em
Comunicação, habilitação em Jornalismo), embora já tivesse o título de
Mestre pela ECA/USP. Foi um período de luta pela sobrevivência, eu não
tinha tempo para absolutamente nada. Depois
da publicação de Rio das Pedras, não parei mais de escrever. Minha vida
profissional estava organizada, eu tinha conseguido me transferir para a
Universidade de Brasília, onde anos mais tarde me aposentei como
professora da Faculdade de Comunicação. Os dois
fatos ocorreram praticamente juntos: minha volta para Brasília – morei
oito anos em Salvador – e a premiação de Rio das Pedras. De novo, a vida
me abria, digamos, o caminho da escrita, que parecia perdido para mim.
Não concordo com o clichê de que a vida seja
feita de escolhas. Creio que escolhemos poucas vezes. Tudo é sempre
feito dentro do possível, dentro do que temos à frente. As
circunstâncias têm um papel muito importante. Em 2005 publiquei um livro
de contos intitulado Pupilas Ovais, que foi muito bem recebido.
Posteriormente me juntei a um grupo de autores de Brasília, que hoje é o
Instituto Casa de Autores. Participei do grupo alguns anos e nesse
período quis experimentar a escrita para crianças. Publiquei sete livros
infanto-juvenis. Em 2009 lancei meu terceiro
romance, Fome de Rosas, cuja personagem principal é uma adolescente que
sofre de anorexia e bulimia. Os temas que me atraem, tanto na
literatura infantojuvenil como na de adultos são aqueles que causam
sofrimento e danos às pessoas, que falam de uma ferida,
de uma falha, de uma falta na sociedade. Meus temas se situam quase que
invariavelmente nessa direção.
Rosangela Rocha - Há
tempos me interesso pelo tema das relações amorosas virtuais. Ouvi de
várias alunas, ex-alunas e amigas da minha faixa etária casos muito
tristes sobre esse assunto. Comecei a procurar
vídeos, fui me aprofundando no estudo e acabei nos livros de
psicanálise. A internet é um campo muito fértil para aproveitadores de
todo gênero, não apenas no aspecto econômico. É claro que os novos
aparatos tecnológicos não inventaram essas pessoas, que sempre
existiram, mas a possibilidade de manutenção do anonimato dá margem a
muitos tipos de fraude. Um só indivíduo pode ter vinte, trinta, dezenas
de perfis nas redes sociais e nos sites de namoro. Isso dá margem a uma
série de equívocos e enganos que acarretam
muito sofrimento aos outros. Os chamados “psicopatas integrados”, que
trabalham como todo mundo e são aparentemente pessoas sérias, que podem
ser nossos parentes, nossos vizinhos, nossos companheiros, têm um
potencial de destruição enorme, justamente porque
nos parecem acima de qualquer suspeita e por isso não desconfiamos
deles. Posam de ótimas pessoas, são pais, chefes, e, no entanto, não
possuem nenhuma capacidade de empatia, sendo altamente nocivos.
Constituem os chamados “predadores” sociais. Mantêm uma
imagem de príncipes, mas não passam de sapos. Agem sempre na surdina,
só mostram as máscaras que lhes interessam naquele momento, com
determinada pessoa. Mudam de cara como quem troca de roupa.
Apresente-nos a obra (sinopse)
Rosangela Rocha - O
romance foi construído em dois tempos, com capítulos que vão se
alternando entre o passado e o futuro. Sucintamente, é a história de uma
joalheira de quarenta anos cujo sonho é ser designer
de joias. Ela herdou o ofício do pai e é apaixonada pela arte da
joalheria. A narrativa começa quando ela – que se chama Helen – recebe
um telefonema de um psiquiatra desconhecido, de uma cidade distante, que
lhe pede informações sobre Ivan Hernández, um argentino
com quem sua paciente atual teria se envolvido. Como não consegue
acesso à paciente, que se encontra internada em sua clínica, mas se
recusa a falar e, tendo descoberto que Helen conhece o indivíduo, ele
lhe pede que ela conte a história do seu relacionamento
com Ivan. Hesitante, mas disposta a ajudar, Helen narra, através de
e-mails, a história do seu relacionamento com o homem de quem se afastou
há dois anos. Assim, o leitor acompanha a narrativa de Helen e sua luta
para mostrar a primeira coleção de joias desenhadas
por ela, que tem paixão por pedras preciosas e a arte da joalheria, de
modo geral.
O que mais a encanta no enredo que compõe a obra?
Rosangela Rocha - Modéstia
à parte, o livro me parece necessário, por sua atualidade. É um tema do
maior interesse para jovens e pessoas maduras que tentam encontrar
parceiros amorosos através da internet.
Fiz um estudo muito aprofundando do perfil dessas pessoas tóxicas, de
como agem, como é o comportamento padrão delas. Não se trata de um livro
didático, é uma história de ficção, mas com base em pesquisas reais. A
partir do conceito de narcisismo de Freud,
orientei meus estudos para descobrir como agem os perversos, de modo
geral. Perversos no sentido psicanalítico, isso é, que veem ao revés,
que agem ao contrário do senso comum.
Antes de “Nenhum espelho reflete seu rosto” você escreveu “O indizível sentido do amor”. Apresente-nos este outro romance
Rosangela Rocha - O
livro conta de história de José, um ex-militante político, preso
durante a ditadura militar. Ele morre aos sessenta e seis anos e sua
viúva, que sou eu, autora e narradora, tenta levantar
informações sobre esse período de sua vida, quando não o conhecia,
ainda. Fomos casados durante trinta e cinco anos, mas ele era muito
reservado e não gostava de mencionar aquele período negro da história do
país. É um livro sobre luto e perda, com a ditadura
militar ao fundo. Utilizei fatos comprováveis em arquivos, inclusive,
com elementos ficcionais. É uma história de amor, no sentido amplo do
termo.
De forma estrutural, temporal. O que diferencia um romance do outro?
Rosangela Rocha - Não
sei se entendi direito a pergunta. Acho que são histórias muito
diferentes. Talvez tenham semelhanças de estrutura, mas os temas são
diametralmente opostos. O indizível sentido do
amor é uma história da bondade e do valor imensurável desse sentimento;
já em Nenhum espelho reflete seu rosto, o leitor se depara com a figura
de um vilão asqueroso, sem empatia, que abusa psicológica e moralmente
de suas vítimas.
Onde podemos comprar os seus livros?
Rosangela Rocha - A maneira mais fácil de aquisição é comigo, no facebook ou através do e-mail rosavi@uol.com.br
Como os livros são publicados por editoras diferentes, basta me
contatar. O indizível sentido do amor pode ser encontrado no site da
editora Patuá www.patuaeditora.com.br e
Nenhum espelho reflete seu rosto no site da editora Arribaçã www.arribacaeditora. com.br
Está é uma edição especial para o
Mulherio das Letras. Você que é um membro ativo, participativo,
conte-nos, como você vê o Mulherio das Letras.
Rosangela Rocha - O
Mulherio das Letras foi um divisor de águas na literatura nacional. É
um movimento agregador, estimulante, cujos frutos concretos já podemos
ver, por meio do significativo número de
coletâneas que o próprio Mulherio publicou e no aumento das publicações
individuais das mulheres, além de várias outras atividades como
palestras, mesas-redondas, oficinas. Como é um movimento nacional, em
vários estados as escritoras se organizaram, com o
mínimo possível de burocracia, mas com muito trabalho. Creio que veio
para ficar, não há mais como voltar atrás. Nem a própria escritora Maria
Valéria Rezende, que conversava despretensiosamente na FLIP com duas ou
três autoras quando a ideia surgiu, poderia
imaginar que o Movimento teria esse êxito. A literatura de autoria
feminina nunca mais será a mesma no Brasil.
Pois bem, estamos chegando ao fim da
entrevista. Muito bom conhecer melhor a escritora Rosangela Vieira
Rocha. Agradecemos sua participação na Revista Divulga Escritor –
especial Mulherio das Letras. Que mensagem você deixa
para nossos leitores?
Rosangela Rocha - Ler
é o máximo, ler é uma festa. A leitura pode curar almas machucadas ou
pelo menos diminuir suas dores; a leitura é diversão, conhecimento,
aprimoramento da sensibilidade. É uma maneira
de abrir os olhos para o mundo, um jeito diferente de ver. Sem a
leitura somos muito mais pobres e mais brutos. A leitura nos humaniza,
pois, através da empatia com as personagens podemos crescer. Basta
pensar que Freud utilizou muito a literatura na sua magistral
elaboração dos conceitos psicanalíticos. Não é à toa que se diz que os
poetas são profetas porque veem além, veem à frente do seu tempo.
Divulga
Escritor, unindo você ao mundo através da Literatura
Contato: divulga@divulgaescritor.com
Nossa que entrevista incentivadora gostei!!
ResponderExcluirOi, Léia. obrigado pela visita. Que bom que gostou!
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