Contos Noturnos, de Dylan Ricardo, foi publicado pela Cultura em Letras Edições em 2019. Com a mesma atmosfera sombria e assustadora que marca a escrita do autor, cada história nos apresenta cenários estranhos e perturbadores. A cada página sentimos o coração pulsar diante da dinâmica fria e cruel com a qual foi construído cada enredo. Conhecemos personagens que nos guiam por caminhos obscuros e perigosos, surpreendendo o leitor a cada desfecho.
Dylan Ricardo já é conhecido por seus poemas com inspiração gótica e ultrarromântica, e agora se aventura em seu primeiro livro inteiramente de contos. Mais uma vez, o autor realiza um trabalho repleto de detalhes e nuances, onde a técnica se mistura com o talento para nos apresentar realidades assustadoras.
Imaginar-se dentro de cada um dos contos é absurdamente incômodo. Algumas histórias trazem elementos surreais que vão além da compreensão humana, como objetos com energias estranhas ou forças poderosas que influenciam diretamente os personagens. A morte, como não poderia deixar de ser, também mostra sua aura de mistério. O que haveria depois da linha sutil que separa a nossa realidade do desconhecido?
Em outros momentos o autor nos apresenta psicopatas e assassinos. Situações cruéis, mas totalmente possíveis, acabam surpreendendo o leitor desavisado. Mortes, assassinatos e revelações vão surgindo e revelando o lado obscuro de cada trama. Os contos são bem elaborados e os personagens bem construídos, mesmo diante do tamanho reduzido da narrativa. O projeto gráfico é outro destaque. As páginas com os títulos de cada história receberam a tonalidade cinza e uma lua estampada ao fundo, representando bem o clima da obra. No início e no fim do livro temos páginas pretas que deram um charme especial à edição.
Com 308 páginas e 10 contos, o novo livro de Dylan Ricardo é indicado para os leitores que apreciam bons contos de horror. As páginas são amareladas e a fonte confortável. Os textos variam de tamanho, mas todos cumprem o que prometem ao trazer ao leitor bons momentos de leitura dentro do gênero. Confiram um pouco da atmosfera de cada um dos contos e se preparem para entrar no universo misterioso e assustador de Dylan Ricardo.
O último despertar
Imagine abrir os olhos e sentir-se na mais completa escuridão. Um espaço limitado que mal permita pequenos movimentos, como se estivesse trancado em uma caixa. O silêncio soberano era profundo e assustador. O ar parece faltar, prejudicando a respiração. Talvez fosse esse seu último despertar.
Também sentiu com a ponta dos dedos os botões da camisa e subindo pelo peito chegou ao nó da gravata. Pôde tocar a sua barba mal feita. Alisar a sua face suada e perceber com as palmas que ainda estava respirando -- o que não seria por muito tempo. Era uma situação tão surpreendente quanto desesperadora. (p.17)
O espelho
Tia Carlota havia falecido inesperadamente aos 102 anos. Em seu testamento, os mais privilegiados foram as instituições que ficaram com os inúmeros gatos que ela cuidava, pouco sobrando para o resto da família. Porém Leôncio, que fazia visitas frequentes à tia, acabou herdando um antigo e estranho espelho, que aparentemente poderia ser valioso. Mais tarde, ele acabaria descobrindo que esse antiquário era bem mais do que uma simples velharia.
Lembre-se, todos são reflexos de suas próprias impossibilidades de mudança. Cada olhar só percebe o que quer, pois tem uma empobrecida percepção do outro. Ninguém surpreende mais ninguém, pois todos já estão mortos por dentro. E morrer por dentro é ter entregado a própria identidade a uma sociedade que exige que você seja apenas uma sombra do que verdadeiramente poderia ser. (p.42)
A caixa
Casimiro era um corretor de imóveis metódico e cumpridor de suas obrigações. Naquele dia, algo o levou até o simples parque de diversões que havia sido instalado em um terreno da cidade. Solitário e tímido, sentia-se seguro com seu jeito reservado e, até mesmo, covarde. Foi em uma tenda escura e sem nenhum grande atrativo que encontrou um homem chamado Solfierinni que lhe apresentou uma caixa mágica que mudaria para sempre sua vida.
Era um estojo quadrado, aparentemente de madeira polida e brilhosa, se havia algum desenho ou inscrição a luz do ambiente não permitia a identificação. Lembrava-lhe uma caixa de música, daquelas que dançam frágeis bailarinas. (p.53)
Conversa de bar
Adolfo sempre foi um homem de cautela. Naquela noite, ao sair do prédio onde trabalhava, deparou-se com uma enorme tempestade, com raios e trovões assustadores. Se não fosse sua mania de enganar o acaso, não teria o guarda-chuva guardado na bolsa, que possibilitou lidar com o imprevisto. Entrou em um aconchegante bar para esperar o dilúvio passar e o bate-papo iniciado com o garçom seria só o início de assustadoras histórias e uma estranha descoberta.
Burburinhos afastados lhe chamavam a atenção e olhando para trás, percebeu distante, em frente ao prédio do qual acabara de sair há alguns minutos, uma estranha movimentação. A curiosidade o fez parar por alguns segundos e distinguir sons abafados, aparentemente de uma miscelânea de conversas incompreensíveis que emergiam da agitada aglomeração que se formava. Alguma coisa incomum havia acontecido e ao que tudo indicava, séria, "Que estranho! O que será que aconteceu às porta da empresa? (p.103)
O gato de mármore
Álvares já havia experimentado a fama e o reconhecimento no meio artístico, mas já há alguns meses não saia de suas mãos uma escultura sequer. A inspiração parecia tê-lo abandonado. Não havia exposições programadas, novos contratos, nem mesmo uma simples entrevista para que não caísse no esquecimento. Em uma madrugada, buscando espantar a tortura e respirar novos ares, o escultor saiu para caminhar. Um encontro inesperado poderia ser a solução de seus problemas. Um acordo prometia dar-lhe o sucesso que nunca havia tido.
Era um gato. O gato mais negro que ele havia visto na vida. Silencioso, sereno, imponente como um poderoso monarca sobre o trono. De grandes e profundos olhos meditativos, carregava na face, agora perfeitamente percebida por Álvares, um conteúdo ancestral indescritível. Sua compleição era de robustez incomum. Parecia maior que um gato normal e as patas mostravam-se ameaçadoras. O soturno felino, sentado sobre as patas traseiras, olhava fixamente para ele. Olho no olho, em absoluto silêncio e nenhum movimento, como se fosse uma de suas esculturas. (p.189/190)
O homem da adaga
Uma casa abandonada escondia um prisioneiro desconhecido. O lugar seria palco de um sangrento encontro, e muitos segredos revelados. O passado, que se apresentava, mostrava seus heróis ou vilões. Uma adaga, com aspecto medieval, rápida e mortal, seria o fio condutor desse desfecho.
No quarto do primeiro andar de uma casa abandonada, a chama de um candeeiro posto sobre uma velha mesa bruxuleava, pincelando com sombras bailarinas as paredes de papel descascado repletas de lodo e teias. Naquela sala, além daquele móvel havia uma cadeira, na qual um homem estava fortemente amarrado. (p. 247)
Vermelho
Momentos antes de sua entrada no picadeiro, um palhaço percebe que falta a tinta vermelha que finalizaria sua caracterização para o espetáculo. Entre o desespero e a ânsia de fazer um show maravilhoso, ele busca uma saída para tornar sua apresentação inesquecível.
Um grande número de crianças perambulava pelo local, todas embasbacadas com as luzes, com a música e com os personagens ricamente vestidos que por ali transitavam para o divertimento geral. Do lado de fora daquela tenda, a alegria espalhava-se ruidosa como um esfuziante vírus iluminado, mas em seu interior, o desespero já começava a criar uma atmosfera de insanidade. (p. 260)
Azul
Aluísio sempre se sentira privilegiado por seus belos olhos azuis. Era mesmo uma dádiva e seu mundo passou a girar em torno dessa cor que se fazia especial. Aos poucos, tomou conta de tudo que o cercava, dominando por inteiro sua vida.
Aluísio já praticou esportes, era empolgado por artes marciais, tinha preferência pelo judô, mas abandonou quando conquistou a faixa azul, não queria trocá-la, passando para a amarela. Almejava ser faixa azul para sempre. (p. 267)
Edgar
Ainda filhote, um pequeno cãozinho foi encontrado ao lado de uma cova recém escavada em um cemitério, e acabou ganhando o nome do futuro morador daquela cova, Edgar. Era um cão pastor alemão e logo virou o mascote dos funcionários, que lhe davam água e comida. Fatos estranhos começaram a acontecer depois de sua chegada. O que Edgar poderia representar para aquelas pessoas?
Edgar era destemido, no decorrer das madrugadas passeava pela escuridão daquele sombrio terreno e continuamente dormia sobre as lápides. Os vigias da propriedade, conversando entre si, relatavam bizarras atitudes do animal, narrando histórias incomuns onde o cão, grunhindo levemente, parecia estabelecer diálogo com seres invisíveis. Muitos funcionários benziam-se quando ele passava, ostentando um porte majestoso de pelo azulado à força de tão negro. (p.272)
O monstro embaixo da cama
Uma série de ataques, seguidos por mortes e desaparecimentos, contra mulheres faz a polícia acreditar que estão diante de um perigoso serial killer. A notícia aterrorizou as pessoas que apelidaram o perigoso assassino de Cabeleireiro Noturno.
Já está tarde. É depois da meia noite que a escuridão torna-se lar para aqueles que guardam trevas à alma. É a hora em que desperta o monstro de cada um. Vejo monstros em cada sombra, você não vê? (p. 301)
Boa leitura!
308 páginas
Dimensão: 14x21cm
1ª Edição (2019)
ISBN:978-85-68209-19-6
Confira outras resenhas do autor:
Dylan Ricardo - Escritor e poeta, é autor das obras Mil Poemas e um Suicídio (este com cem sonetos e um conto), Contos noturnos (com dez contos de horror) , Nas Brumas do Desalento, No Zênite da Insanidade, Asas de Pedra, Do Inferno e Estado Terminal (já lançados) todos com poemas de inspiração gótica e ultrarromântica nos quais descreve liricamente trajetórias existenciais abarrotadas de desânimo, decepções e sonhos destruídos. Trazendo reflexões ao leitor sobre a sua própria existência, seus desejos e atos praticados. Muitos desses poemas tornaram-se crônicas do cotidiano de uma personalidade insatisfeita, realista e questionadora, por se referirem a assuntos voltados ao relacionamento humano, às lembranças e à efemeridade da vida. No Porão da Decadência, seu novo livro com poemas, ainda nas mãos da editora.
Contatos do Autor
* O livro foi enviado gentilmente pela Cultura em Letras Edições.
Apesar de terror não ser um dos meus gêneros prediletos, devo confessar que fiquei atraído por esse livro em especial. Aprecio demais os contos, são narrativas rápidas e por isso intensas, notei que o autor soube como usar as ferramentas para criar boas histórias. Com certeza vale a pena a leitura!
ResponderExcluirAbraços!
Os contos são interessantes. Uma boa indicação para quem curte o gênero.
ExcluirÉ um dos estilos de leitura que gosto bastante. Já quero ler esse livro pra ontem, vou procurar por aqui.
ResponderExcluirQue bom que gostou.
Excluiroi!
ResponderExcluirAdorei a dica :D não conhecia o trabalho do Dylan, o livro é bem interessante e a capa linda. Fiquei bem curiosa ;)
A capa tá linda mesmo.
ExcluirAdorei a resenha, o livro parece ser otimo!
ResponderExcluirN conhecia, fiquei bem interessada!
Se tiver a oportunidade, leia. obrigado pela visita.
Excluirolá Evandro!
ResponderExcluirAdorei a resenha, fiquei impressionada com o conto do espelho e da caixa, parece que é rodeada de mistério e suspense... amo... vou procurar na livraria p comprar. Você é fera nas suas resenha.. adoro.. bjs e sucesso!
Obrigado, Karina. Que bom que gostou.
ExcluirFala ai, tudo bem Evandro?
ResponderExcluirGostei da capa e já tive a oportunidade de conhecer o trabalho do Dylan, é um bom escritor. Gostei das resenha, ficou organizada e bem escrita. Parabéns cara! Dica anotada!
Abraço!
Que legal que já conheceu o trabalho do Dylan. obrigado pela visita.
ExcluirOlá , não custumo ler este gênero, mais após acompanhar sua resenha me despertou curiosidade, ainda não conhecia o trabalho do Dylan e acho que vou me dar a oportunidade nessa obra .
ResponderExcluirOlá, as vezes é legal ler algo que não estamos habituados. Até pra sair da rotina. Obrigado pela visita.
ExcluirAchei a proposta do livro instigante, o estilo e o formato contos me lembrou Histórias Extraordinárias, de Allan Poe, o qual gosto muito. Todos os contos têm um clima de suspense envolvente, mas fiquei particularmente interessada em A Caixa, O Gato de Mármore e Edgar.
ResponderExcluirOi, Patrícia. Acho que vai gostar do trabalho do Dylan. Se tiver a oportunidade não deixe de conferir.
ExcluirGosto muito de livros de contos, o último de terror que li foi do Mestre King, e fiquei bem curiosa por este após a resenha.
ResponderExcluirEu adoro os livros do King. Que bom que a resenha te despertou a curiosidade. Se curtir contos e tiver a oportunidade, leia sim.
ExcluirOi,tudo bem ?
ResponderExcluirNossa não conhecia a obra mas gostei bastante dessa indicação, assim como a proposta me chamou bastante atenção. Com toda certeza é uma ótima dica e vai encantar quem gosta do gênero.