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Resenha: O ainda não dura para sempre - Amauri Rodrigues (Kiron)

em domingo, 3 de fevereiro de 2019


 (...) nenhum homem na sua essência é escravo (...)


O ainda não dura para sempre, publicado em 2015 pela Editora Kiron, é o primeiro romance de Amauri Rodrigues.  Ao conhecer os personagens de Vila K. Fundós, uma pequena cidade no interior de um país fictício, de dimensões continentais, chamado Pacó Baçu, percebemos logo que qualquer semelhança com o Brasil não será mera coincidência.

Caineba era um garoto esperto e esforçado.  Depois da escola, circulava pela praça da pequena vila com sua velha caixa de engraxate, ofício que era de grande ajuda no sustento da família.  O tempo que sobrava era dividido entre jogar pelada e bola de gude, ou ainda nadar no poço em dias de calor. Nada muito diferente dos garotos pobres que moravam naquela região.

Porém para Caineba, estar na escola era praticamente uma exceção, se analisássemos a situação de outros meninos negros de seu país.  A verdade era que o  cego Perilo, um outro morador local,  jamais admitiria vê-lo longe de um lugar, que considerava seu por direito, afinal, o garoto era inteligente, dedicado e merecedor.

Um dia, o menino contou ao cego Perilo uma curiosidade que lhe atazanava a cachola.   Foi então que o velho amigo resolveu ajudá-lo na busca por respostas, que se mostraram mais relevantes do que, aparentemente, podia-se imaginar.   Um passado cheio de importância e significados estava prestes a surgir e mostrar o real valor de seus antepassados.

Em Vila K.Fundós não há quem não conheça a Venda do Panóis.  É lá onde tudo acontece, onde a modernidade parece chegar mais rápido, com direito à TV e internet.  Lá tem um pouco de tudo.  Também quem dera, o e sua esposa D. Amália se dedicam com afinco ao bom funcionamento do lugar.  Por lá circulam todas as figuras mais populares da cidade:   Ninguém Guenta e seu discurso "quase insuportável", o velho Catimbau, os professores Alberto, Alexino e Faon, sem contar no pequeno Caineba e o cego Perilo, entre tantos outros.


Em um enredo, aparentemente simples, encontramos temas importantes que, sem dúvida, merecem reflexões. A venda do Zé Panóis se torna, dentro desse contexto, palco para inúmeras questões que geram debate dentro dessa trama.

Será que os livros de História sobre o descobrimento de Pacó Baçu mostram os fatos como realmente aconteceram?  E os homens que lá chegaram poderiam descobrir um novo lugar, sendo que ali já existiam seus próprios habitantes?   E o que se conta dos negros que ali foram escravizados e, posteriormente, libertados?  A miscigenação, tão comentada naquele país não seria uma forma de esconder o sangue negro que corre nas veias daquele povo?  

Essas e muitas outras questões são abordadas, como pobreza, desigualdade, preconceito, cotas sociais e trabalho infantil.   Personagens dão voz ao grito que está preso na garganta do povo pacobaçuano.  Mas o leitor deve estar ciente que muitos discursos podem entrar em conflito com suas próprias concepções.  Amauri Rodrigues busca, nesse sentido, inquietar o leitor, um dos objetivos de sua escrita. 

O discurso político, na voz de um dos personagens, se tornou exagerado, tirando o foco da parte mais interessante do livro.   A falta de personagens que pudessem dar consistência ao discurso opositor, fizeram passar a chance de surgir uma análise realmente coerente, baseada em fatos que colocariam em confronto extremos políticos.  O ideal seria que o leitor tirasse suas próprias conclusões diante de argumentos sólidos e ideais inseridos na trama, estruturando assim sua própria opinião.   Muitos argumentos são interessantes, mas na maior parte soou como um extremismo político, que faria tanto mal quanto o regime vigente em Pacó Baçu.

O autor construiu um enredo cheio de simbolismo, que ajuda na composição de suas ideias.  A importância dos personagens negros guiando a história, enriquecem e valorizam a trama.  As próprias páginas que enegrecem no final achei fantástico, significando, para mim, o reconhecimento, aceitação e resgate da cultura africana no país.  Em 204 páginas brancas e 9 capítulos você terá a oportunidade de perceber que a velha politicagem não rola somente em terras tupiniquins.  A capa do livro é linda e cheia de significados, representando bem a alma desse enredo.  Boa leitura!

 (...) a dor de um é a dor de muitos.



O ainda não dura para sempre
Autor:  Amauri Rodrigues
Editora Kiron
Páginas:  204
Edição : 1ª (2015)
Dimensões:  22,5 cm
ISBN 978-85-8113-461-1



 Onde Comprar


E-book

https://www.amazon.com.br/ainda-n%C3%A3o-dura-para-sempre-ebook/dp/B01GKHFQCS


Sobre o Autor
E-mail:  amadrigs@gmail.com

https://www.facebook.com/amauri.rodrigues.18007



Amauri Rodrigues é natural da cidade de Piquete-SP.  É Mestre e Doutor em Teoria Literária e Professor de Literaturas Brasileira, Portuguesa e Africana de Língua Portuguesa.  É autor de Presença e Silêncio e, O ainda não dura para sempre é o seu primeiro romance publicado.





* Livro cedido pela Editora Kiron.

29 comentários:

  1. Parece aqueles livros que nos intrigam, instigam a profundas reflexões e chegam a desconstruir muitas de nossas visões de mundo. As questões históricas levantadas tornam tudo ainda mais atrativo.

    Ótima sugestão!
    Abraços!

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    1. A trama aborda muitas questões, nem todos os pontos de vista todo leitor irá concordar, mas acho importante a discussão.

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  2. Gostei por que aborda muitos assuntos importantes que merecem atenção. Muita coisa pra entender.

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    1. Olá, Nique. É sempre bom ter a oportunidade de enxergar determinadas visões e discutir sobre elas.

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  3. É um livro que aborda muito temas importantes, que faz o leitor refletir, o autor soube ligar o personagem ao livro, a capa é simplesmente linda quando lemos a resenha mergulhamos dentro da história do Amauri Rodrigues, abraços.

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  4. O livro é muito rico em reflexão e conscientiza sobre questões com profundas ligações históricas. O detalhe das páginas ficando enegrecidas gradativamente é mesmo uma gtande sacada!

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    1. Sim, o detalhe das páginas achei muito inteligente da parte do autor. Tem todo um simbolismo presente.

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  5. Antes de tudo gostaria de dizer que a simplicidade da ilustração da capa é harmoniosamente divinamente com a história do livro ... Um belo livro, que quando analisamos a situação que os personagens não estudam, vivem precariamente, na verdade uma linda história inédita na literatura brasileira profunda, tocar, impossível ler a resenha e refletir, me emocionou profundamente.

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    1. Obrigado, Lenny. Realmente o autor soube trazer situações que muitas pessoas passam e ignoram os significados e histórias por trás de cada acontecimento.

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  6. Oi,tudo bem ?

    Ainda não conhecia livro e autor, mas gostei bastante da proposta e de conhecer a obra através do ponto de vista de outro leitor...com toda certeza é uma ótima indicação de leitura.

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    1. Que bom que gostou. Se tiver a oportunidade, leia, e depois nos conte o que achou.

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  7. Esse livro aprece muito interessante,não conhecia o trabalho do Amauri Rodrigues,mas pelo visto vou me surpreender, gosto muito de livros que tenham o simbolismo como um dos pontos fortes e sua resenha me chamou a atenção,obrigada!

    Beijos!

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  8. Nossa parece ser uma leitura bem agradável, achei a temática diferente do que costumo ler e com certeza vai para a lista.
    Um beijo.

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    1. Que bom que gostou, Rayanni. É bom sair da área de conforto e experimentar outro tipo de narrativa.

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  9. Não conhecia a obra, mas confesso que fiquei bem curioso para realizar essa leitura que mostra ser surpreendente.

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    1. Que bom que gostou. Se tiver oportunidade, não deixe de conferir.

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  10. Adorei demais o tema do livro. Gosto desses tipos de reflexão etc. Gosto muito de livros que abordam esse tipo de tema.

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    1. São temas interessantes sim. Também gosto muito de enredos desse tipo.

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  11. Era um livro que se visse numa prateleira de uma livraria não o iria comprar. Não faz muito o meu estilo literário.

    Mas acredito que seja um excelente livro e que mereça ser lido com todo o carinho.

    Achei o título um bocadinho confuso. Mas é só a minha opinião.

    www.aalfacinha.com

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    1. Obrigado pela visita. Eu gostei bastante da capa. O título assim solto parece confuso mesmo, mas tem tudo a ver com o enredo, com a ideia central.

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  12. Agradeço a todos pelas críticas. Gostaria de discordar apenas de um aspecto da resenha, segundo o qual não há personagens opositores ao discurso político de Ninguém Guenta. Há, sim. Os professores Alberto, Alexino e Faon são opositores, haja vista o significado do nome Alberto ser "aquele que defende" como consta do glossário de nomes próprios.
    Aos que não entenderam, estranharam ou não foram impactados com o nome da obra, destaco que o advérbio "ainda" designa situações não definitivas, não perenes, de durações determinadas, e o título como um todo alude a uma frase atribuída ao orador latino Cícero que, na tribuna do senado romano teria proferido-a para dizer que os problemas de Roma não duraria para sempre.
    Muito grato pela resenha e criticas.

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    1. Obrigado pelo carinho, Amauri Rodrigues. Em relação aos personagens que fazem oposição ao discurso político predominante, há sim, mas são fracos e sem nenhum argumento realmente consistente que poderia gerar uma verdadeira análise dos pontos positivos ou negativos de cada pensamento. Nem mesmo os professores que fazem a oposição conseguem levantar questões com bons fundamentos.

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  13. Adorei a maneira de comunicação moderna leve solta reverenciando a cultura antiga focando passagens parabéns continue embelezando a cultura nos oportunizando a leitura. abraços.

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    1. Obrigado pela visita Solange. Muito bom ter autores que prestigiam a nossa cultura.

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  14. Bom dia, Evandro, que bom que você percebeu que eles existem, e não, que faltam como diz a resenha, o que significa que o indispensável contraponto está lá. Quanto à inconsistência dos discursos dos opositores, concordo contigo, mesmo porque, o objetivo foi mostrar exatamente isto, a partir de discursos proferidos por intelectuais. Portanto, a pergunta proposta pelo texto é: "afinal, por que os argumentos de intelectuais capitularam diante da fala de um simples pintor de paredes?"

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