Expor a angústia através da arte tem um preço, o de
vivenciar novamente o que se guardou, ressuscitando muitas vezes com
igual intensidade o que se sofreu. É morrer novamente.
(Introdução p.09)
Mil poemas e um suicídio, de Dylan Ricardo, foi lançado em 2018 pela Cultura em Letras Edições. Se as palavras escorrem como sangue por feridas ainda abertas e em nada diminui a dor que dilacera sua alma, por que o poeta insiste em expor seus lamentos? Simplesmente por ser de sua natureza, nos revela o autor já na introdução do livro. Mesmo que suas angústias sejam revividas em cada soneto e que sinta tantas vezes o último suspiro, ainda assim há de escrever. Escrever incansavelmente. Talvez mil poemas para perpetuar seu sofrimento.
(...) pergunto-me quanto vale um verso
- desses que irrompem de madrugada. (...)
(Trecho de Nada p.146)
Em uma breve introdução, Dylan Ricardo nos prepara para conhecer um universo sombrio e assustador pelos olhos de um poeta. O livro é dividido em duas partes que se relacionam: Nas primeiras 100 páginas encontramos um conto e conhecemos um personagem sem nome e uma assustadora promessa - escrever 1000 poemas antes de seu suicídio. A segunda parte traz justamente os 100 últimos sonetos de seu juramento. O leitor acompanha intimamente cada passo que o leva em direção ao fim. Se por um lado, conseguimos compreender suas angústias e melancolia, por outro, desejamos imensamente que novos rumos sejam traçados e que um novo dia se apresente trazendo consigo a esperança que parece não existir.
(...) Rubra lágrima que pelo manso fluxo
em fúnebre e líquido cortejo
leva meu apaixonado beijo
aos lábios de um amor não esquecido. (...)
(trecho de Mensageira p. 169)
A leitura é extremamente forte e pungente. Em nenhum momento o leitor é poupado de enxergar a vida pelos olhos desse homem. Cada instante é refletido nas palavras. As dores, mágoas e decepções de um solitário poeta. Seria possível transmitir a intensidade desses sentimentos? Solidão e angústia em seu sentido mais real e dilacerador. Aquilo que fere mortalmente as entranhas de um homem que tem como companhia a solidão e o desalento.
Para mim basta saber que sempre anoitece,
que o sol por fim dormitará exaurido
e que surgirá no céu o afável ouvido
da noite que escuta a quem se entristece. (...)
(trecho de Juntos p.188)
Dylan Ricardo tem forte influência gótica e ultrarromântica. O tom intimista acompanha cada desabafo de seu personagem, expondo muitas vezes feridas abertas que nunca cicatrizam. Uma estranha sensação de não pertencer ao tempo presente e sentir-se
imensamente atraído pela sedução de dias passados, tendo como companhia em noites vazias de nomes que se tornaram imortais.
(...) E sendo o amor um pássaro que a vida solta
sem esperar que em sua partida dê a volta,
este, às vezes desaparece, quando jamais deveria.
(trecho de Término p. 108)
Temos por tendência fantasiar a vida e enche-la de cores e de risos fartos. O olhar de Dylan é bem mais
frio e real, observando a transitoriedade das coisas, a brevidade do tempo e a incerteza do instante futuro. Os olhos de seu personagem enxergam em tons
pálidos e muitas vezes cruéis. Não é uma leitura fácil no sentido de sentir-se imune à atmosfera de sua arte, mas é necessária e urgente. Eu mesmo já conheci uma pessoa que enxergava o mundo exatamente assim. Agora entendo a dimensão de seus medos e a urgência que o levava de encontro ao fim.
(...) E em resignado silêncio suavemente escoou
ao parapeito, e ali, três lágrimas depositou
como reticências. Por nada mais ter a dizer.
(trecho de Reticências p. 132)
Diante de total escuridão, o desejo e o prazer pela escrita fazia fluir de suas mãos linhas e linhas de poesias. Contou uma história como se dela
fosse dono e senhor absoluto. Talvez esse homem pudesse mesmo manipular todas as
peças e comandar seu próprio destino. Em constante flerte com a morte, ideia que o seduzia e guiava seus passos, enquanto fazia brotar poesias de seu desespero.
(...) E quanto mais à escrita dor imponho
traduzir a emoção mostra-se sonho,
que realizar-se, impossível ainda permanece.
(trecho de Inalcançável p. 116)
O conto é narrado em 3ª pessoa, onde temos a dimensão da solidão de um homem (fictício ou não) e de sua relação com o mundo que o cerca. Insônia, mulheres, bebidas, cigarros, angústias, despedidas e medos. O livro tem 210 páginas amareladas e traz também 100 sonetos que complementam o texto, reforçando a ideia central. Depois de cumprido a promessa, fica a pergunta: O que restará depois das últimas palavras que se tornaram poesia? Que seus versos nunca tenham fim! Assim espero.
(...) E debato-me em letras, como posso,
qual náufrago agarrado ao destroço
que num mar de frases sucumbe afogado.
(trecho de Preto e branco p. 135)
Autor: Dylan Ricardo
210 páginas
Edição: 1ª (2018)
Dimensão: 14x21 cm
ISBN: 978-85-68209-17-2
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Sobre o Autor
Dylan Ricardo
Escritor e poeta, é autor das obras Mil Poemas e um Suicídio (este com cem sonetos e um conto), Contos noturnos e No Porão da Decadência (o primeiro com dez contos de horror e o segundo com poemas. Ambos, ainda nas mãos da Editora), Nas Brumas do Desalento (prestes a ser lançado), No Zênite da Insanidade, Asas de Pedra, Do Inferno e Estado Terminal (já lançados) todos com poemas de inspiração gótica e ultrarromântica nos quais descreve liricamente trajetórias existenciais abarrotadas de desânimo, decepções e sonhos destruídos. Trazendo reflexões ao leitor sobre a sua própria existência, seus desejos e atos praticados. Muitos desses poemas tornaram-se crônicas do cotidiano de uma personalidade insatisfeita, realista e questionadora, por se referirem a assuntos voltados ao relacionamento humano, às lembranças e à efemeridade da vida.
Escritor e poeta, é autor das obras Mil Poemas e um Suicídio (este com cem sonetos e um conto), Contos noturnos e No Porão da Decadência (o primeiro com dez contos de horror e o segundo com poemas. Ambos, ainda nas mãos da Editora), Nas Brumas do Desalento (prestes a ser lançado), No Zênite da Insanidade, Asas de Pedra, Do Inferno e Estado Terminal (já lançados) todos com poemas de inspiração gótica e ultrarromântica nos quais descreve liricamente trajetórias existenciais abarrotadas de desânimo, decepções e sonhos destruídos. Trazendo reflexões ao leitor sobre a sua própria existência, seus desejos e atos praticados. Muitos desses poemas tornaram-se crônicas do cotidiano de uma personalidade insatisfeita, realista e questionadora, por se referirem a assuntos voltados ao relacionamento humano, às lembranças e à efemeridade da vida.
Contatos do Autor
* Livro gentilmente cedido pela Cultura em Letras Edições.
Oi Evandro
ResponderExcluirPela resenha já senti que o livro é intenso e trata de um assunto que não queremos fingir que não existe, mas hoje é mais que uma realidade. Acho que pidemos ler e aprender com essa leitura, talvez reconhecendo e ajuando pessoas, que como o personagem, estão sofrendo e precisando desesperadamente de ajuda.
abraços
Gisela
www.lerparadivertir.com
Pois é, concordo com você. É uma leitura intensa e nem sempre fácil, mas é preciso enxergar a urgência em cada palavra. Não dá pra ignorar.
ExcluirFalar sobre suícidio é sempre válido. Conhecer as angústias e motivações desse personagem pode ser um caminho que possibilita compreender a mente de um suicida em potencial. Imagino que deva ser uma leitura muito melancólica, mas ao mesmo é importante.
ResponderExcluirTambém considero importante. O texto e as poesias são fortes e densas.
ExcluirO livro é bem intenso, pois o livro mostra a verdade de enxergar a vida pois fala de dor, mágoas, decepções, coisas que por muitas vezes não queremos ler em livros.Saber sobre o suicídio nos mostra mais e com a leitura do livro aprendemos muito e nos faz enxergar que o personagem está precisando de muita ajuda, abraços.
ResponderExcluirMuitas vezes preferimos fugir do que enxergar o que acontece a nossa volta. É preciso estar atento aos sinais.
ExcluirPrecisamos de mais livros assim que provoquem no leitor uma mudança de paradigma. Falar sobre suicídio não é tarefa fácil, se feito do jeito errado pode fortalecer tabus, mas se exposto com cuidado pode abrir mentes e aumentar a luta pela vida. Válida leitura!
ResponderExcluirÓtima sugestão!
Abraços! 😊
É um assunto sério e urgente. É difícil entender pensamentos assim, mas quando percebemos palavras e versos com tanta intensidade entendemos que podemos até não gostar de ouvir, mas que não podemos ignorar.
ExcluirEsse livro traz uma proposta bem diferente da maioria, o que é bem interessante, faz bastante tempo desde a ultima vez que li algo assim...Devido a falta de tempo e ansiedade pro vezes leio até 5 livros "ao mesmo tempo" revesando minha leitura para tentar aproveitar ao máximo os momento que consigo parar para ler,mas tenho que pegar um livro assim e parar com tudo por vezes, obrigada pela dica.
ResponderExcluirBeijos!
Nossa. 5 livros ao mesmo tempo? Eu confesso que já encarei 3 uma vez, mas normalmente faço duas leituras, e, de preferência, gêneros diferentes.
ExcluirPela sua resenha deu para ver e sentir que vamos acompanhar poemas que revelam o que a alma da pessoa estava sentindo.Um momento de empatia do leitor ao ler os poemas e sempre torcendo para que não ocorra o que se pretende, o suicídio.
ResponderExcluirÉ verdade. Foi essa a sensação que tive ao terminar. Querer estar junto do personagem, tentar mostrar outros caminhos.
ExcluirDeu para sentir a angústia passada ao leitor. Gostei bastante da sua resenha e gostaria de adquirir um exemplar deste livro também.
ResponderExcluirÀs vezes, é importante sentir a dor de outra pessoa para não julgar suas ações. A resenha mostrou o quanto é forte esta leitura.
Um forte abraço.
Sim, em muitos momentos é angustiante entender cada pensamento. O livro pode ser adquirido no site da Cultura em Letras Edições. O link se encontra no fim da resenha.
ExcluirNunca ouvi falar do livro, primeira vez. Ótima resenha
ResponderExcluirObrigado, Eloani.
ExcluirO livro traz uma questão muito polêmica que infelizmente acontece todos os dias em algum lugar que é o suicídio. Essa obra deve ser muito emocionante e nos leva a refletir sobre esse assunto delicado.
ResponderExcluirSempre é bom conversar e debater sobre o tema. Realmente acontece muito e falta conhecimento e sensibilidade para enxergar esses sinais.
ExcluirMil Poemas e um Suicídio Este livro é uma história que se divide um pouco em cada um de nós, é certamente um livro muito forte. O que está à beira da loucura e do suicídio. Dylan Ricardo o parabeniza por ter conseguido passar pelo livro uma vida angustiante. Só então refletiremos, teremos amor ao próximo e mais respeito, porque sempre nos depararemos com alguém que sofre angustiosamente, vivendo um terremoto em suas vidas.
ResponderExcluirÉ verdade! Exatamente isso que você falou. Obrigado pela visita.
ExcluirUm livro cheio de emoções! Gostava de o reler confesso mas acho que me falta a coragem!
ResponderExcluirAdoro a sua resenha e a forma como fala da obra do Dylan!
Beijinhos
www.aalfacinha.com
Oi, Alfacinha. É uma leitura forte e certamente não agradará a todos. Mas acho importante ouvir e entender. O autor consegue nos passar exatamente toda a angústia que esse tema nos traz.
ExcluirOi Evandro, tudo bem?
ResponderExcluirNossa, preciso dizer que texto super bem escrito. Você usou tanta intensidade que o sentimento do personagem passou para mim e acabei ficando angustiada e torcendo por um desfecho diferente também. E sabe? A temática desse livro é perfeita para a campanha do setembro amarelo, que falou justamente sobre o suicídio. Parabéns pela resenha!!!
beijinhos.
cila.
Obrigado, Cila. É um livro que mexe com a gente. Não tem como se manter indiferente a cada página. Realmente o livro se encaixa perfeitamente na campanha. É preciso realmente conhecer esse universo para poder enxergar tantos sinais que normalmente passam despercebidos.
ExcluirOlá, tudo bem? Bem, sua resenha está exemplar, bem intensa! Conseguiu me inserir na história, sem entregar de fato toda a sua surpresa.
ResponderExcluirBeijos
www.cheiadeassunto.com
Entregar a surpresa nunca. rsrs Mas fico feliz que eu tenha conseguido passar um pouco do que o livro traz.
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